O tato é o sentido que marca, no corpo, a divisa entre Eros e Tânatos. É através do tato que o amor se realiza. É no lugar do tato que a tortura acontece.
Escarafunchei minhas memórias de leitura e não encontrei nada que se referisse ao tato, exceto na poesia e na literatura. Um dos poemas de Fernando Pessoa que mais me comovem é construído a partir de uma experiência de um toque. “Foi um momento o em que pousaste sobre o meu braço, num movimento mais de cansaço que pensamento, a tua mão, e a retiraste. Senti ou não? Não sei. Mas lembro e sinto ainda qualquer memória fixa e corpórea onde pousaste a mão que teve qualquer sentido incompreendido, mas tão de leve!.. Como se tu, sem o querer, em mim tocasses para dizer qualquer mistério, súbito e etéreo, que nem soubesses que tinha ser.” A mão toca o braço, sem pensar, para dizer... E daí surge um poema.
O tato acontece quando a pele e, portanto, o meu corpo, é tocado por algo de fora (ou por ele mesmo...). Nisso está a sua delícia! Nisso está o seu perigo.
Mas o tato é, talvez, o sentido sobre o qual menos se tenha falado. Há uma filosofia dos olhos, uma filosofia do ouvido, uma filosofia da boca. Mas desconheço uma meditação filosófica sobre o tocar. E, no entanto, a pele é lugar de tantas alegrias. Lembro-me de uma cena do filme “Cidade dos Anjos”. Quando o Anjo Apaixonado resolveu tornar-se humano, mesmo ao preço de perder sua imortalidade, ele entrou no mundo desconhecido das delícias do tato. Há uma cena em que ele está tomando um banho de chuveiro. Ah! Que experiência assombrosa de prazer e alegria! E, no entanto, é uma experiência que temos diariamente. Acontece que, em nossos rituais, ela não é uma experiência erótica mas simplesmente um automatismo prático da caixa das ferramentas.
FONTE:http://www.rubemalves.com.br/otato.htm